Pensar é uma coisa, realizar um pensamento, outra. Nada exige tanta paciência e tanta "ciência do possível". Anísio Teixeira (Carta a Monteiro Lobato, 29 jan.1947.)

domingo, 1 de julho de 2012

Catharina Paraguassu - Salve, salve o 2 de Julho!


Igreja da Graça, Salvador- Ba

Catharina Paraguassu
I
As  folhas verdes de nativo evocam o esplendor da força Tupinambá!
Na discreta devoção, os fiéis são chegados, com seus pedidos velados
com flores brancas e amarelas misturados, no 2 de julho, nosso máximo feriado!
Uns olham para o céu, outros a mão põem no peito
e sua passagem deixa sempre um rastro, menos de civismo e mais de respeito; pois os políticos exibem a si mesmos e o povo na alma a tem eleito.
Para o Vaticano tu não és Santa, mas os fieis te aclamam na gira, na sessão: herança natural de um povo, que teve no índio o portal da nossa nação.
A partir deste ponto, posso eu desenrolar a minha canção
e começo por um mistério deves: a mãe cristã do Brasil virou entidade, reverenciada no  culto pagão.
II
Primeira brasileira batizada, ao cristianismo se converteu,
pela força de um chamado, pois a Virgem em sonho lhe apareceu.
Catharina ergueu uma capela e abrigou a náufraga do sonho repetido,
que lá até hoje permanece, segurando  o seu Infante, nosso Deus-Menino!
Querem os homens explicação para o que nasce além do medido!
Diz uma máxima popular: isso foi feito, não foi cuspido!
III
Casou-se  a bela Paraguaçu com Diogo Álvares Correia
 que deixou Moema aos ventos do sul, em  sonhos naufragados, mergulhados na sombra de um mar frio...submersa na elegia,
 morreu no amor vazio; enquanto Guaibimpará renascia:
 Katherine du Brésil!
Dialética sem contradição, infeliz rota do mistério:
 flores  podem brotar, também no cemitério!
IV
Em 1495 nasceu Guaibimpará, da tribo Tupinambá.
Em 1509  Diogo Álvares , na Bahia, naufragou
e a bela índia encontrara o seu amor.
A Vila Velha, assento dos colonos, logo surgiu.
Paraguassu, em 1528, virou Catherine du Brésil.

Em 1530  foi erguida a ermida, santuário mariano,
doada aos beneditinos, depois de 56 anos.
Em 1551, Garcia d’Ávila  a sua Torre erigia
 e nobre união ali se daria, entre os  Álvares e os Dias.
E  vou concluir esta sonora cronologia!
Catarina deixou a terra,  em mais uma mística união:                                 ...
morreu em 1583, 26 de janeiro,  no mês de São Sebastião!
V
O Povo de Santo louva a grandeza da força ancestral,
Catharina é fonte materna, matriz mestiça, primeira barriga oficial.
Mas hoje a Cabocla desfila, na esfera da imagem reduzida, pois o velho dono da terra, guarda na alma, profundas feridas:
 briga por terra e briga por comida!
VI
Catharina vai brilhante, sob o Sol do 2 de Julho , retornando no  escuro, ladeada por sem mundos...
 E  viva a liberdade fingida, reflexo da igualdade rouca!
 Não é a toa que o povo diz- Te aguardo na volta da Cabocla!




VII
No Campo Grande permanecem impassíveis os heróis da Independência, mas os vejo com olhos vazios, nascentes daqueles rios (São Francisco e Paraguaçu) que se encolhem pelo frio. Na base do monumento estão os ideais da Revolução e, depois de tanto tempo, negros, mestiços e índios ainda têm a cuia na mão.
Triste me vejo,  por ver como o Brasil surgiu: teve início na Bahia  e pode por ela se acabar, pois nos transformamos num imenso barril....Mas isto é conversa para outro fio!
VIII
Diante do monumento, as nuvens distantes alongavam meu olhar e os ventos me traziam gotas de chuva, em pleno céu aberto... Era um sinal delicado, discreto, que o mistério sempre está por perto, a nos rondar...
E uma pomba entrou na foto, para que a liberdade eu pudesse eternizar.
IX
...E agora volto aquele outro fio...
Vejam que Madalena Caramuru, a primeira mulher alfabetizada, denunciava, em carta, a escravidão infantil e mais de 4 séculos depois o Supremo Tribunal declara a existência de prostitutas de 12 anos,
em nosso Brasil!
E a Bahia lidera na homofobia, na viol­ência contra mulher, nos homicídios e na pedofilia...
E não somos mais colônia, pois o 2 de Julho e o 7 de Setembro nos prometeram um novo dia.
Ditosa descendência mestiça de Catarina Paraguaçu que logrou edificação na historia, mas tantos outros ficaram para trás, esquecidos na memória: as encalhadas, os Zé e Maria-ninguém, as Mouras tortas, os filhos bastardos, todos explorados para o Reino em seu bem...

X
Mas a Virgem no mar encontrada, aguardava pacífica na oca,
 o encontro com sua  fiel amada... Amor sublime de pura devoção,
 que fez erguer a Ermida de Nossa Senhora das Graças!
Casa doada aos monges beneditinos, primeiro mosteiro latino,
cujo  europeu padroeiro ostenta um colorido cocar!
São Sebastião, tu já estavas entre os índios e fostes escolhido um grande taxaua.

XI
O homo virtualis não supera as suas ontológicas agonias
 e os bilhões de galáxias vivem dançando, sem a sua presença,
 no infinito dia.Por isto que o mistério se move nas esferas do não racional
 e faz nascer uma ermida, primeiro de palha, depois de cal.
XII
E meu coração se alegra por ver as proezas de Deus
que pode fazer mil histórias, inspirando os filhos Seus.
Para uns, o mistério é verdade; para outros, produto imbecil.
Mas a vida se desenrola cheia de curvas, quebradas, manhãs e madrugadas, de gente inerte e inspirada, de cheio e de vazio...
XIII
Depois de 500 anos, a historia me sinaliza esperança, pois a fé permanece viçosa, independente das alianças. Olho para o teto da Igreja e a pintura me leva  ‘a emoção...O imponderável  se manifesta, além do sim e  além do não. Os fatos movem-se no silencio vestidos de sol, de nuvens, estrelas ou de frio  e eu cruzo as estações por ser um sonhador no cio.